Por mais humilde que seja, um bom trabalho inspira uma sensação de vitória…
Amanhã inicio o meu primeiro trabalho. Tenho pavor do que possa acontecer, das pessoas que não conheço, da estranheza das palavras, do medo, da incapacidade e sobretudo da descoberta por outros de alguma da minha ignorância. Se é certo que me sinto seguro perante as decisões mais difíceis e disposto a correr riscos, também é verdade que as pernas tremem cada vez que penso em voltar àquele escritório.
Foi há três semanas que fui chamado para a entrevista, concorri ao lugar de estagiário e por mais estranho que pareça dos 23 currículos que enviei, este foi dos locais onde me responderam em menos de 48 horas. E não pensem que é por falta de qualidade, trata-se de uma multinacional que recruta jovens dando-lhe boas regalias associadas a uma formação constante no estrangeiro. Eu fui dos poucos que aceitei as condições, afinal de contas nada me impede de passar umas semanas em Londres ou Frankfurt para uma formação que rapidamente pode ser valorizada. Investiram em mim e nas minhas capacidades, e eu sei que a fasquia é alta.
O que mais estranhei foi a idade dos trabalhadores. Pese embora este seja um dos maiores escritórios de advogados no mundo inteiro, e obedeça assim à sua sede nos Estados Unidos, a filial em Lisboa destaca-se sobretudo de um carácter jovem onde só oito pessoas num total de perto de cinquenta, têm mais 45 anos. A directora de recursos humanos tem perto de 29 anos, e depois de me reconhecer de algum bar ou discoteca de Lisboa, não hesitou em incentivar-se dizendo: Não se preocupe Sebastião, vai ver que se vai dar muito bem… Estendeu um cartão de visita onde tinha anotado pelo seu punho o número de telemóvel. Sempre que me dão um daqueles cartõezinhos fico com a ideia que é uma forma “profissional” de engate barato.
Uma semana e pouco depois, liguei para a Inês confirmando a hora exacta para começar a trabalhar e mais algumas duvidas que entretanto me haviam surgido. A sua postura foi deveras agradável e rapidamente me apercebi que algo mais a motivava que eu fosse seu colega do que simplesmente as minhas qualidades profissionais. Propôs-me passar pelo escritório no final do dia para falarmos com mais calma. É impressionante sentir que quanto mais nos dificultam estarmos ou falarmos com uma pessoa, mas isso desperta o nosso interesse. A Dra. Inês é talvez das mais respeitadas na empresa e sempre que digo o seu nome as expressões mudam, o sorriso aparece e começam sempre por me indicar um sofá e oferecer água.
Quase 40 minutos depois a Inês desce e pede-me mil desculpas pelo atraso mas uma conferência telefónica inadiável acabou por amarrá-la ao escritório sombrio. Com um sorriso profissional e o cabelo apanhado, a Inês solta o seu primeiro ataque: “-Aceita comer qualquer coisa e falamos durante o jantar?” Era impossível recusar e num instante percebi os recursos humanos de quem trabalha nos recursos humanos… Acaba por ser como a pesca, são de tal forma eficazes que acabamos por nem perceber se quem nos pescou foi o anzol ou o pescador. Fomos jantar a um restaurante chinês no centro comercial que está mesmo por baixo. Era impossível não ter reparado como a saia justa dava-lhe contornos perfeitos e em como o terceiro botão da camisa estava propositadamente desapertado mostrando o seu peito bronzeado. A meio do jantar a Inês já não era mais a Dra. e largava a máscara para incorporar o papel de menina.
Contou-me pouco da sua vida embora tenha realçado que não tem namorado por opção (dela subentenda-se!) e que vive sozinha num apartamento para os lados do Bairro Alto. Está na empresa há 6 anos e admite que não há melhor ambiente do que naquele escritório. Concordei e enalteci o papel da senhora directora! A Inês é inteligente e percebeu que entráramos na fase da reciprocidade. Estava de tal forma confiante que à saída não fui capaz de me conter: “-Quer ir beber um copo?” No mesmo minuto em que o disse, arrependi-me. Afinal o que estava eu a fazer a convidar a minha directora para um engate? Afinal de contas o jantar foi "light" e embora a conversa estivesse sempre animada, a Inês soube controlar não dando hipóteses para eu tirar qualquer ilação.
“-Agradeço-lhe imenso Sebastião, é muito simpático da sua parte, mas estou cansada e ainda vou levar trabalho para casa. Obrigado na mesma...” Não o senti como uma tampa, afinal de contas foi muito bom no dia seguinte não ter recebido um e-mail a desconfirmar a minha contratação com uma desculpa qualquer. Não sei se da excitação ou do nervoso, começo a equacionar até que ponto as relações profissionais se podem misturar com as relações pessoais. Poderá ela acusar-me de assédio algum dia para, com o meu despedimento, reduzir custos na firma? Ou continuaremos nós num mundo de Zézés Camarinhas do "vale tudo", até no emprego? Amanhã será novamente o frente a frente e embora esteja derrotado por uma noite, há ainda um trabalho que decerto me irá garantir muitas mais possibilidades de jantares profissionais...