A festa estava programada há meses, e tão só a vinda de meia dúzia de cantores de renome internacional a Portugal, iria de uma vez por todas arrumar o meu coração. A organização prometia 100 mil pessoas para o maior festival de rock em Portugal e essa era sem dúvida a altura ideal para curtir a noite, o espectáculo, e finalmente a atracção principal: ELAS!
Impressionante foi a visão dantesca de ver milhares de pessoas espalhadas por um relvado, algumas sentadas, outras já deitadas e enroladas a aproveitarem o “pré” antes que comece o cansaço. Entre voltas e mais voltas, propaganda e muito rock, vi por todo o recinto pessoas conhecidas a que falava já acusando umas cervejas a mais. A dada altura, numa música mais lamechas, decidi mandar uma mensagem a alguém que tem vindo constantemente a deixar-me embaraçado. Pessoalmente e emocionalmente. “Onde é que a menina anda? ;)” Antes mesmo de apagar o relatório de entrega do telefone, já estava a receber a resposta: “No mesmo sítio que tu! Onde é que haveria de estar?” Rapidamente olhei para os lados à procura do tal fenómeno “Big Brother” ou na versão actual “Big Sister” que me estaria a controlar. Não a encontrei, mas o facto de saber que eventualmente me tinha visto (e acompanhado) não me deixou à vontade pois poderia ser comprometedor. Acabei por encher-me de coragem e fazer um convite atrevido, qual proposta indecente: “Não deverias estar ao meu lado? Agarradinha e a receber beijos por esse corpo? :p” Se por um lado tentava espicaçar-lhe o seu lado mais feminino, por outro tentei que por momentos fizesse força com os joelhos e se lembrasse de mim. E a resposta não tardou novamente em chegar: “Já estás muito bem acompanhado… Diverte-te!”
Desisti desta inovação do telegrama e liguei-lhe. Expliquei-lhe que estava a confundir tudo e que gostava de estar com ela, talvez as músicas mais lamechas de Sting me tenham feito recordar momentos tão bons que sentisse falta de um afecto que é reconhecidamente positivo. Combinámos que viria ter comigo a seguir ao concerto. Aceitei, não tinha outra hipótese, era isso ou nada. Admito que a data altura a minha vontade de me manter ali não era nenhuma, queria desistir daquela viagem e abandonar de imediato o recinto onde todos faziam questão de estar. Mas aguardei e assim que terminou o concerto fugi numa volúpia para casa onde aproveitei para descansar um pouco.
Esperei-a pacientemente e entre duas chamadas garantindo que estava a chegar, aproveitei para tomar um banho. Assim que chegou pergunta-me surpreendida: “Mas o que se passa contigo Sebastião, estás tão ansioso porquê? Passa-se alguma coisa?” Percebi que não comungava da mesma saudade e que friamente tentava conduzir as questões para um ambiente distante e demasiado racional. Ainda de "boxers" e com uma t-shirt qualquer, sentei-me no sofá para “conversar”… Não era esta a minha vontade, só me apetecia agarrá-la e dizer o quanto tenho sentido a sua falta, das nossas conversas, do cheiro da sua pele e das tão viciantes mensagens queridas logo pela manhã. Um homem pode rapidamente apaixonar-se pelas mensagens que contenham palavras como “kido”, “amo-te”, “borracho”, “morro de saudades” e mais de 1000 expressões que nos amolecem como crianças mimadas.
Mas esse não era o espírito dela e assim que começamos a falar, e enquanto abria de vez o meu coração dizendo o quanto tenho descoberto que é importante para mim, e em quanto o tempo me fez perceber as saudades que tenho dos tempos, dos lugares, dos cheiros e das refeições que fizemos juntos, ela mostra um olhar atento numa cara algo amargurada. Faço-lhe talvez a pergunta que mesmo gostaria que me respondesse: “Não sentes o mesmo?” Baixou a cabeça e ao mesmo tempo que fazia senti como que o tecto a desabar-me em cima. Estava a seus pés, pedindo-lhe que se recordasse do passado, propondo um futuro, pedindo que acreditasse nas minhas palavras e ao expor-me demasiado, sentia agora o erro de o ter feito.
Um pouco a medo, foi lançando frase feitas na conversa, que ao mesmo tempo que era suposto ir digerindo, estavam indubitavelmente a macerar todo o meu castelo de areia. A revelação de existirem outras pessoas na sua vida deixou-me ciumento, até demais para o normal, e não queria ouvir mais aquilo que me contava, mas queria saber tudo. Um saber mórbido que me magoava a cada pormenor e na imaginação fértil que ia desenhando, tentando idealizar alguém a beijar a sua boca que não eu. A propriedade é sem dúvida dos direitos mais alienáveis, e nos meus pensamentos bruscos só me vinha a imagem de alguém a usar daquela que eu amo. Depois de me contar tudo, dos namoros que manteve e vai mantendo, fui incapaz de entrar no jogo e abrir o meu jogo. Quando tentava e idealizava um possível amor, era inconcebível contar-lhe também as aventuras que fui mantendo durante este tempo em que estivemos separados.
Ao abrir-me o seu coração das mentiras e “traições” que me tem escondido, sentiu-se desinibida e ao contrário do que estava à espera, havia talvez agora mais um motivo para estarmos juntos: o ela não carregar nada escondido dentro de si. Fomos directos para o quarto e enquanto beijava a sua pele e gozava de todo o momento, sentia-me vitorioso por voltar a ter aquela que eu queria amar, mas triste pelas condições...
Antes de se ir embora, e enquanto escrevia mais um daqueles bilhetinhos que ficariam para sempre esquecidos no espelho da casa de banho, fechei os olhos fingindo-me dormir com pena por ver a Rita fugir-me assim...