Depois de quase um dia inteiro passado em viagem, finalmente chegámos a Val d’Isére. No nosso carro vinha eu, a Rita e mais um casal de amigos namorados de fresco. A princípio viemos todos a conversar, mas depois de Madrid eles acabaram por adormecer porque não compreendiam metade das coisas que dizíamos. A Rita veio sempre acordada e guiou perto de metade da viagem. Aproveitei grande parte do tempo para pensar em tudo e em nada e, a dada altura, só queria ter o computador ao pé de mim para poder ir escrevendo aquilo que me ia passando pela cabeça. A chegada aos Alpes franceses foi emocionante pois o nascer do sol pintou a neve de tons tão luminosos que parecia um cenário.
A Rita já vinha a conversar a algum tempo sobre tudo e nada, quando reparei que estava a olhar para mim já há algum tempo. Passei-lhe a mão pela perna, sem largar o volante, em sinal de carinho quando ela me pergunta: “-Estás triste?” Respondi imediatamente que não, embora admita que talvez tenha ficado emocionado enquanto via os Alpes ao longe e, com algum sono à mistura, pensava em coisas menos felizes que nos acontecem. A Rita insistia para falar. “-Abre o coração” dizia ela. Não tenho o hábito de o fazer e guardo sempre o receio da teoria da armadilha. É fácil pedirmos para alguém nos contar tudo, mas será que vamos gostar daquilo que ouvimos? Às vezes não será melhor não ouvirmos?
Estava morto de cansaço e acabei por ceder a condução e a sua curiosidade. Expliquei-lhe que me atormentava alguma amargura de determinados momentos da minha vida, de amores passados, de paixões futuras sem qualquer motivo e sobretudo de ainda não ter encontrado alguém especial que tornasse a vida menos salgada. A Rita ouviu pacientemente mais de 15 minutos de desabafos enquanto olhava para a estrada, e quando se preparava para falar, nem sabia eu que iria ouvir talvez das coisas mais importantes e que mais me marcaram ate hoje. “-Pensas demais Sebastião. Imagina as mulheres e os homens como uma maça, onde as melhores estão no topo da árvore.” Fiquei em silêncio e ao mesmo tempo curioso para descobrir que lição poderia ela dar-me com uma fruta... E continuou: “O Homem não quer alcançar essas maças boas, porque tem medo de cair e de se magoar; prefere as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas que são fáceis de conseguir.” Ao mesmo tempo que a ouvia, ia-me recordando de paixões e amizades coloridas que fui “colecionando” ao longo dos anos, e que hoje não tinham qualquer valor no meu coração, além de uma simpática recordação. Mas a Rita preparava-se para me dar a seguir a maior das lições: “-Assim as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade, o Homem é que está errado... E elas têm que esperar para que o Homem certo chegue, aquele que é suficientemente valente para escalar até ao topo da árvore. Quem sabe não serás tu uma maça à espera que alguém te colha?” Fiz um sorriso e fiquei a refltir no que tinha acabado de ouvir.
Já estamos a chegar aos apartamentos e de repente fiquei com um nó na garganta sem vontade de falar. Na minha cabeça passavam imagens a cem à hora onde, amores mal acabados, se traduziam agora em degraus que faltaram na hora de colher. Assim que parámos em frente aos apartamentos, e enquanto os outros já tiravam as malas do carro desejosos para chegar ao quarto e dormir, debrucei-me sobre o banco e dei-lhe um beijo. A Rita não estranhou e enquanto sorria fez-me um carinho na face...