É quase como uma receita impossível de errar. Parece estar escrito no nosso código genético que, de noite, os nossos sentidos diminuem dando lugar a um pensamento único e comum: as mulheres. Penso que nem mesmo Sir David Attenborough, de BBC Vida Selvagem, hesitaria em estudar este estranho comportamento filmando as discotecas da cidade cheias de homens que passam horas em esplanadas na Costa da Caparica para mais tarde puderem exibir a sua cor alaranjada, e talvez com isso conquistarem alguns olhares femininos. Mas o truque permanece em manter-se quieto e imóvel, encostado ao bar, de copo e cigarro na mão, de preferência acompanhado pelos amigos que formam a equipa de Rugby da faculdade...
É habitual ver amigas minhas de olho em homens que pura e simplesmente não o percebem... e ainda bem! Se o percebessem ainda fariam pior figura porque, de tal forma não estão habituados, que o normal seria gaguejarem ou oferecerem uma “imperial” entre um piropo falhado. Tento ser a excepção à regra, eu e mais uns quantos que arriscamos meter conversa com eternas desconhecidas. Nunca fui um adepto fervoroso de andar à pesca, mas às vezes surpreendo-me...
A Marta acabou por fazer uma qualquer birra e optou por ir sair com as amigas na sexta-feira. Achei que seria dar-lhe trunfos a mais ficando em casa à espera de um qualquer telefonema ou mensagem e optei por ir sair também… com amigas!
Assim que cheguei ao bar foi recordar rostos e histórias em cada um. Parecia que estava a actualizar a minha base de dados e é impressionante com nos recordamos da vida das pessoas ao pormenor: vi a Filipa que correu direita a mim deixando um tipo qualquer sozinho no meio da pista; ou até mesmo uma paixão antiga que fingia que se divertia na companhia de um amigo enquanto todos sabem que o namorado a deixou e não tem onde cair morta; ou até aquela que conta-se pela cidade ter dado dois valentes socos ao namorado quando ele insistia em fazer sexo anal; reencontrei também um amor jurássico que entretanto envelheceu e fez-me sorrir por felizmente tudo ter acabado; e por fim impressionante a quantidade de amigas casadas que vão sair à noite e deixam os maridos em casa, tudo numa lógica e espírito do século XXI.
A minha avó diria: Modernices! E se calhar são mesmo...
Perante tanta escolha, continuo estupefacto a ver vários homens encostados ao balcão, sem mexerem uma palha, com uma cara de desalento, enquanto na pista é vê-las pavonearem-se com sorrisos e gargalhadas. O clima parece leve, mas é mais ou menos visível uma barreira que separa os dois sexos. Quando me aproximo de um desses espécimen, um amigo que encontro ocasionalmente nessa posição sagrada e privilegiada, inicia-se o interrogatório:
“-Tás bom? Há quanto tempo… epá, quem é aquela gaja que falaste ainda agora?”
“-Quem a morena?” Pergunto eu.
“-Não pá, aquela loura boazona de top branco, ela está a olhar para mim há horas.” A loura boazona que está no momento a aquecer a pista é a Susana, mantive com ela algumas noites de prazer enquanto o namorado andava com a selecção de Rugby a marcar pontos noutros estádios. Recordo que embora o seu corpo seja escultural e bem trabalhado, não considerei noites tão entusiasmantes assim. A Susana não era adepta do sexo oral e cansava-se de me dizer que nunca o faria. Tento perceber a razão que a levaria olhar para este meu amigo, e chego à conclusão que deveria ser um problema de estrabismo. Mas fui tirar as dúvidas...
“-Conheces aquele amigo meu que está ali?
“-Sebastião, gosto muito de ti, mas poupa-me
“-Desculpa, mas pensei ver-te a fazer olhinhos a ele.
“-Olhinhos? Àquela coisa? Se calhar entrou-me alguma coisa para o olho! disse ela enquanto largava uma gargalhada efusiva. Compreendo agora a razão porque ficam eles encostados ao bar e não arriscam um contacto de terceiro grau, uma tampa iria ser desoladora nesta altura do campeonato.
“-Mas não te vás embora, o que andas tu a fazer Sebastião? Ainda de namoro com a Rita?” pergunta-me ela tentando lançar a rede de malha apertada.
“-Onde isso já vai...” respondo eu sem entrar em pormenores actuais.
“-Não vai muito longe, ainda agora aqui passou... Olha ela ali!”
A Rita estava com uns amigos meus que habitualmente não saiam uma noite sem me convidarem. Porém hoje foi diferente, e agora percebo a razão. Embora não houvesse razão para tal admito que o facto de convidarem a minha ex-namorada para sair com eles e não me dizerem nada, deixou-me extremamente ciumento. Fui ter com ela. Agarrei-a docemente por trás, pondo às mãos à volta da sua cintura num gesto sensual, enquanto de frente todos os outros olhavam para mim com um ar sério de presa a abater.
“-Olá Sebastião! Que saudades que eu tinha tuas!” Imagino… tantas saudades que não me liga há mais de um mês. Perguntei-lhe o que andava a fazer e ultrapassada a conversa informal a Rita já está a fazer charme contando histórias sobre nós à restante plateia que assiste inconformada ao espectáculo degradante. Só nós compreendemos o que de importante os amores guardam no nosso coração, para quê tentar contar aos outros e obrigá-los a tal massacre? É óbvio que em segundos começaram a dispersar e deixaram-me sozinho com a Rita. Se é verdade que as conversas são como as cerejas, não demorou muito para a Rita iniciar ao meu ouvido conversas mais provocantes que desafiavam o meu coração. Em menos de nada, enquanto fazia um olhar matreiro, agarrou-me e deu-me um beijo que trazia o sabor a álcool e não a amor como eu poderia querer esperar.
O que decerto não esperava, foi ver dois minutos depois a Marta com a Cristina e o Francisco a falarem com uns amigos. A Marta olhou-me nos olhos mostrando toda a raiva que trazia acumulada das conversas anteriores e ficou à espera que lhe fosse falar. Mas agora mantém-se a maior dúvida, será que ela assistiu àquele beijo inocente que troquei durante cinco segundos com a Rita? Poderá ela compreender que o calor do momento nos leva a ter gestos tão rápidos como inconsequentes? Não quero mesmo estragar este amor e não sei com que cara irei explicar algo que na verdade não tem explicação. Mas porque raio fiz eu aquilo? Chego à conclusão que de noite ninguém se aproveita e tento desculpar-me generalizando que todos os homens são parvos, embora esteja a tremer com medo de ter comprometido a minha última relação.