O hábito muito excessivo dos prazeres impede o nascimento do amor… Parte I
Com o sol de regresso aos nossos dias, começam a ser cada vez mais os ombros bronzeados e os rostos que irradiam sinais de saúde e lazer. São consequências da Primavera que fazem as mulheres desabrocharem essa beleza escondida pelo Inverno rigoroso. A Rita ligou-me duas vezes durante a semana e nunca demonstrou qualquer carinho especial. A princípio estranhei, e admito que fiquei algo revoltado com a situação, mas agora limito-me a aceitar uma simples amizade. Quem será que irá aguentar mais tempo este impasse?
Na sexta-feira ligou-me um amigo de longa data, o Francisco. A nossa amizade é antiga mas desde que casou, há cerca de um ano, temo-nos falado com pouca regularidade. Não fora ter ido viver para Santarém depois de casar com uma menina das lezírias, estaríamos mais tempo juntos. No entanto a amizade mantém-se. “-Há quanto tempo Sebastião! Estou a ligar-te porque vou dar um jantar cá em casa, e nem admito que faltes!” E porque iria eu faltar? O Francisco desde que se isolou em Santarém sentiu o peso dos “70 quilómetros” e a verdade é que eram raros os amigos de Lisboa que o iam visitar. Aceitei o convite e pus-me a caminho.
O dia estava radiante, de tal forma que o Francisco pediu-me para chegar mais cedo e conhecer melhor a casa. Assim que cheguei estava o Francisco recebeu-me com a alegria natural e a satisfação de se sentir de novo junto daqueles que compreendem bem a sua vontade de regressar ao mundo cosmopolita. A Cristina, sua mulher, é bastante diferente. Habituada à constante pasmaceira do campo, conseguiu exilar o Francisco das suas noitadas e das noites dormidas sabe lá aonde. Talvez por isso estava reticente como iria agora receber aqueles que são o último reduto das histórias mais afamadas do Francisco. Em menos de nada fiquei estupefacto com a simpatia dela e da irmã Marta que olhavam para mim com a diferença do rapaz da cidade habituado aos costumes mundanos.
Não fora a habitual pressa de tratar da mesa, esticar a toalha, preparar os aperitivos, prender os cães e a habitual azáfama, quase que não dava conta que a Marta cada vez mais se mostrava curiosa dos meus hábitos citadinos. A Marta vai entrar para o ano na faculdade e facilmente percebo pela conversa que os seus olhos brilham quando pensa em vir estudar para a cidade. Há pessoas que não nascem no lugar certo, e a Marta é uma delas. O seu ar doce e extremamente educado faz prever que muitos se irão embeiçar pela menina rica de Santarém que estuda agora Veterinária na capital. Enquanto vou olhando para as terras do Francisco, junto à piscina que construiu há meses, tenho aquele pensamento breve comum a todos: Que bem que se está no campo… porque não venho eu viver para aqui? Onde a vida é mais calma, não há stress, correrias, trânsito… Pensamentos comuns que se desvanecem em segundos.
“-Então que dizes da casa Sebastião?” O Francisco estava mesmo atrás de mim como a ouvir-me os pensamentos. Serviu-me um whisky e sentamo-nos os dois à beira da piscina enquanto pela janela grande da sala víamos às irmãs a tratar dos últimos preparativos. Aproveitamos para falar de tudo: negócios, do tempo, país e politica, terminando sempre nas mulheres. “-Já viste a Marta? Achei que ias gostar dela, faz o teu género…” Sorri ligeiramente porque, na minha cabeça, ainda só reina a dúvida da Rita. Mas a verdade é que durante toda a noite a Marta foi ganhando confiança e cada vez mais a via mais amável comigo do que com as outras pessoas. Mesmo com aqueles que conhecia melhor e quem tinha uma relação mais estreita, as suas intenções eram diferentes, e o sorriso não era tão sincero. Discutimos sobre música e gostos pessoais, e era extraordinário com cada vez mais tínhamos gostos em comum. A sua juventude e os poucos anos que nos separam não foram nunca sinal de imaturidade, até pelo contrário. Conhecedora e astuta, não perdia uma oportunidade para deixar bem claro a cultura que tinha adquirido nas longas tardes de leitura no Ribatejo.
Por volta das duas da manhã preparava-me para vir embora, e a Cristina insistia com o Francisco para me convencer a dormir lá. Quase todos os convidados já se tinham ido embora mas a conversa à volta da piscina estava tão boa, e a lua com tanta luz, que todos queríamos prolongar mais um pouco...